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Rio de Janeiro, 27 de março de 2016.

 

 

Sal

 

 

Uma lágrima pode dizer muito. Do óbvio ao improvável, a lágrima é tudo, menos vazia. Pode ser felicidade, tristeza, desespero, medo e emoção. Pode ser um cisco incomodando nos olhos, uma ausência, ou um pedido de socorro. A lágrima pode ser recurso dramático no palco do teatro, pode ser constrangimento e dor. Pode vir sozinha, arrastada, ardendo. Vir acompanhada de outras, de soluços, careta e nariz entupido. Ser sincera ou manipuladora. Pode desobstruir, desencadear, destravar dores e resgatar sentimentos há muito retraídos. A lágrima tudo diz, tudo pode, só não pode ser contida.


Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2014.

 


O único em primeira pessoa

 


Sinto pavor dos 30. Sinto pavor de envelhecer.
Isso herdei do meu pai, junto com as dores na coluna e demais mazelas.
Lembro bem quando ele chegou aos 40. Relutante como se quisesse voltar aos 20 só para ter mais tempo antes de aceitar que estava envelhecendo. Será exatamente assim comigo.
Penso que para as mulheres é ainda pior envelhecer. A pele perde o viço, a bunda e os peitos caem. Curiosamente ficamos cada vez mais loiras, porque não há tinta que baste para cobrir tantos cabelos brancos nascendo e crescendo, tudo isso mais rápido do que a velocidade da luz, e ainda mais rápido do que o intervalo que as tinturas recomendam para serem reaplicadas. Pelo menos o loiro mescla com os brancos e disfarça por mais tempo.
Ainda não tenho fios brancos, mas temo que acorde lotada deles no dia em que entrar para o time das Balzaquianas. Serei uma balzaquiana loira, essa é a única certeza que tenho.
Não aceito que precise de exercícios para manter no lugar o que sempre esteve lá. Malhar para manter minha bunda em pé é o mesmo que ter que convencer o Círculo Polar Ártico a não se mudar para o Círculo Polar Antártico, ou seja, ilógico!
Me parece tão egoísta estarem pensando em colonizar a Lua, quando ainda não fabricam pílulas de juventude eterna. Ao menos na Lua não há gravidade, bundas e peitos não terão para onde ir.
Tantas coisas ainda por fazer e os 30 aí, batendo a minha porta só pra me lembrar quantas coisas eu tô devendo no meu plano original. Um segundo filho, uma carreira sólida, sucesso...ah, o sucesso, coisinha subjetiva é o sucesso, papo para outro dia.
Tantas coisas a realizar e o relógio em regressiva. A ampulheta do tempo grão a grão me lembrando da minha finitude, da minha mortalidade. Consciência essa que nós não temos aos 20 e por isso não valorizamos.
Saudades dos 20, medo dos 30. Isso me define nesse momento.

 

 



Rio de Janeiro, 31 de Janeiro de 2015.

 

 

A morte

 


É porque a morte, essa coisa avassaladora que vem e leva quem nós amamos, não é nenhum privilégio ou castigo, mas um ciclo natural que todos os seres vivos passam. Mas como convencer o coração de que há naturalidade em deixar de conviver com alguém tão especial ? Como consolar um filho que perdeu a mãe de uma hora pra outra? Como confortar uma mãe, que invertendo a ordem natural da vida, enterra sua única filha? E como dizer a um homem, após uma vida inteira juntos, que ele precisa reaprender a viver sem essa mulher que o fez feliz durante 43 anos? E que não me venham falar de deus, missão, lugar melhor, ou qualquer referência a espiritualidade, que comigo não cola.

 

 

 

Rio de Janeiro, 23 de Janeiro de 2014.

 


Metrô

 


Talvez eu devesse me calar ao ver uma senhora insultando a outra, mais velha e com uma criança especial ao lado, mas não.

E por não conseguir ficar calada, tive que intervir.

Intervindo me tornei alvo e passei por uma situação vexatória.

Talvez me arrependa um dia, mas hoje não.

Metrô no horário de rush, cheio como são cheios todos os meios de transporte nas grandes capitais no horário de Rush.

Vagão feminino, onde deveríamos estar seguras de assédios, todo o tipo de assédio. Mas não estamos. Os vagões exclusivos para as mulheres são sempre locais de muita falta de respeito.

Uma senhora entrou no vagão já discutindo e agredindo verbalmente três meninas que tentavam sair. Segunda ela as meninas eram palermas porque, pasmem, queriam sair do vagão antes que as outras pessoas entrassem. Algo muito estranho, né? Quem quer descer na sua estação antes que seja empurrada para dentro? Essas pessoas estranhas, tsc, tsc,tsc.

Ali me calei, a briga não era minha, as meninas eram adultas, novas e podiam se defender, como fizeram, de forma educada, mas sem deixar barato.

A viagem seguiu e uma senhora de cabelos bem branquinhos entrou no vagão com o neto, que nitidamente possuía alguma necessidade especial. Não sou médica, mas dado o comportamento do menino pude concluir isso.

No empurra-empurra que se dá a cada parada nas estações mais movimentadas, o menino se sentiu incomodado e começou a dizer alto e repetidamente “Me larga pelo amor de deus”.


O que veio depois foi a maior demonstração de falta de respeito pelo outro e falta de amor ao próximo que eu pude presenciar nos últimos tempos.

A senhora pouco distinta, que já havia protagonizado um pequeno bate boca, começou a dizer alto, que aquilo não era hora de estar com criança no metrô e afirmou que a outra senhora vinha da praia com o neto e a chamou de dondoca.

Ao perceber que ninguém defenderia a senhora e nem mesmo ela teria voz, eu respondi.
Da forma mais calma e tranquila eu disse que estava havendo um julgamento sem que ninguém soubesse se a senhora estava vindo de um médico, ou coisa assim.

E que mesmo q fosse da praia, era direito dela estar ali.

Eu não vou aqui repetir os impropérios que fui obrigada a ouvir, pularei para a parte em que ela me cotovelou para sair do vagão e me deu um empurrão do lado de fora, na estação.
E é assim que as coisas são. Uma mulher que se disse mãe e avó, se dizendo mais do que eu por isso, não consegue ter um pouco de respeito pela outra mulher, que só pela idade avançada já merecia ser respeitada.

Baseada em meia dúzia de coisas que eu disse em defesa da senhora e seu neto, fui chamada de mal amada e sem homem e ela ainda concluiu que tenho muito a aprender com a vida. Disse ainda que estou na profissão errada, porque sou justiceira e deveria mudar de profissão e me tornar advogada. Como ela sabe que eu não sou advogada? Não sei até agora. Mas justiceira, ah eu não poderia me fazer um elogio desses, sou modesta!


Estou até agora me perguntando se o que eu fiz foi certo, talvez me arrependa de ter defendido uma desconhecida com idade para ser minha avó, que estava sendo constrangida gratuitamente e se um dia eu me arrepender, prefiro morrer!

 

 

O único em primeira pessoa
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